quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Chico homenageia o malandro. Eu tentei, seria possível?





O malandro que trabalha, tem casa e suor, que faz no hoje para colher amanhã frescos frutos. O malandro que convive com tantas dúvidas, que é cobrado e, mesmo entristecido, não entrega os pontos; sai, bebe umas e volta para casa chorando as mágoas no travesseiro; para no outro dia, acorda disposto a mudar, grita aos continentes o que ontem se passou e suas expectativas para o futuro. É acolhido em um abraço, sem julgamento, sem cobranças; até que, depois de repetir o mesmo erro, arrependido, recebe o mais doce “eu falei, eu avisei” e mais uma vez cai como anjo naqueles abraços de pluma.
Malandro é aquele que cortas as ruas dando risada e troca a carne pela cervejada com os outros, tão malandros quanto.
Desculpa, Chico, não sei da sua malandragem, essa que você, brilhantemente, homenageia; não tive o prazer de conhece-la e poder também homenageá-la, admito, definitivamente não tão bem quando você.
 Mas a malandragem que eu canto são meus amigos. Amigos do peito, amigos do bar, da faculdade, da vida. Malandros que só roubam sorrisos e trapaceiam no truco; que são profissionais da alegria e dos sermões; acolhem com paixão e ensinam com firmeza. Meus amigos, meu caro Chico, os malandros das praças, botecos e carnavais; malandros com as maldades do mundo.



sábado, 7 de dezembro de 2013

PEDRO PENSADOR



por Luiz Ricardo Oliveira

"Pedro pensava muito.

 Ele, por exemplo, pensava quatro vezes antes de sair de casa para brincar com os amigos, quando era  criança.

 Quando se apaixonou pela primeira vez, ele pensou vinte e sete vezes antes de se declarar para a menina, e,  quando tomou coragem, ela já namorava outro garoto.

 Ele pensou sessenta e três vezes quando descobriu que gostava de meninos. E depois, mais trinta e duas  vezes antes de dar seu primeiro beijo.

 Depois disso, ele pensou cento e vinte vezes em contar para os pais que era gay, mas antes de fazê-lo, eles  descobriram e o castigaram pelo pecado.

 Pedro pensou quinze vezes antes de dizer pros pais que queria estudar cinema, e antes de clamar seu  sonho, entrou numa faculdade de administração.

 Ele também pensou trinta vezes antes de dizer para seu melhor amigo de faculdade que estava apaixonado  por ele, e quando teve uma coragem louca, seu amigo beijou um outro garoto na sua frente.

 Pedro pensava pelo menos uma vez por dia que era infeliz por seus pais não aceitarem quem ele era. 

 Pensava pelo menos duas vezes que não morava onde queria. Pensava pelo menos quatro vezes que não  gostava do curso que fazia. Mas ele só pensava.

 Assim como ele pensava seis vezes antes de sair de casa com seus novos amigos, e muitas vezes não ia. E  em muitas vezes mais, perdia de conhecer pessoas interessantes.

 Além disso, ele pensou oito vezes antes de fazer intercâmbio, pra tentar gostar mais do curso que fazia.  Mas a oitava vez foi logo depois de as vagas acabarem.

 Sendo assim, ele pensou aproximadamente mil quatrocentas e três vezes que ele queria fugir e estudar o  que queria, mas acabou se formando e arrumando um emprego em outro país.

 A partir daí, ele pensou cinqüenta e sete vezes que ele, talvez, não estivesse no caminho errado.

 Pensou, também, setenta e três vezes que deveria ter pensado menos e aproveitado mais sua adolescência.

 Depois disso, pensou onze vezes que deveria perdoar os pais, assim como pedir perdão a eles. E se  perdoar.

 Mas no último dia em que pensou nisso, logo depois de acordar feliz para ir ao trabalho, logo depois de  encontrar um cara interessante no restaurante da esquina, logo depois de pegar o telefone dele (dessa vez  sem pensar mais do que três vezes!), ele atravessou a rua, e um carro atravessou o sinal vermelho.

 E, caído no chão, Pedro ainda teve tempo pra pensar exatamente nove vezes o quanto devia ter pensado  menos."


quarta-feira, 4 de setembro de 2013

"Creio no que sinto. O que vejo, prefiro fantasiar" - contou o adulto com voz de criança



O ano era desses que caiam como bombas, de fazer barulho, bagunçar, destruir. Mas ele não imaginava as consequências de anos bomba; não havia vivido nenhum, tinha apenas 10 anos e sua maior decepção era a bola de futebol que caiu na casa do vizinho ranzinza. 
E vieram os amigos de rua e contaram o que se fazia com as pessoas da vizinhança que não seguiam o protocolo, e ele não acreditou. Veio o melhor amigo, com manchas no corpo contando que apanhara de um guarda de sobretudo porque não entoou o hino e não conversou usando as palavras certas.
As pessoas iam desaparecendo na mesma proporção que as bombas caiam; vizinhanças inteira, sério! E ele cantarolava nas esquinas sem entender. Até que, marcada de amarelo, encontrou sua casa. Seus pais, tios, avós, todos em uma gritaria de dia de festa, pediam, mas dessa vez não em tom cordial: “Fuja, corra, salve-se! Leve sua irmã, deixe o cachorro! Meu Deus, salve os mais novos...”
Sem entender, pegou as trouxas, as irmãs e deixou que o cachorrinho os seguisse até uma esquina qualquer. Lá conheceu um homem de sobretudo e viu que eles não eram ruins, só queriam saber dos segredos mais profundos, da origem e até o que a gente esperava do futuro e quando descobriu minha origem, ficou feliz. Sorriu, quase gargalhou, e nos levou, eu, minhas irmãs e as trouxas, para um lugar cheio de gente trabalhadora que tinha direito até a banho, mais do que nós tínhamos em casa, em toda nossa miséria. Deu roupa, trabalho e abrigo. E no dia do banho, ainda encorajou: “Vamos, vocês vão gostar, porcos!” – e gargalhou pela ultima vez, sorriu até com os olhos.
Era nazista, e as crianças nem sabiam o que isso significava até descobrirem que do banho, ninguém nunca contou nenhuma história.

terça-feira, 2 de julho de 2013

"Tempo amigo, seja legal. Conto contigo..."

   Enquanto tentava dormir, pensava em um plano B.
  Jogar futebol? Ele era bom, mas não tanto para valer a pena tentar; escritor? Ah..nada disso. Aliviar tristezas em um papel não era bem seu talento para chamar a atenção do grande público; talvez poeta, florista, professor...
  Dormiu, mais uma vez sem decidir um segundo caminho a seguir. Nos sonhos, que há tanto o perturbavam, olhava seu rosto descascado no espelho; o cachorro da infância enterrado no quintal. Morto! Todos morriam e ele assistia tudo pelo espelho, e seu rosto derretido, sozinho, com as mesmas roupas gastas, os mesmo olhos sedentos pelo que não tinha e nunca conseguiria. Só o rosto mudava, bruscamente, os arrependimentos, dores, cores e assombros eram os mesmos.
   Acordava de sobressalto, sabendo que na noite seguinte o sonho voltaria. O dia mecânico de trabalho e estudo passava tão monótono que incentivava seus pensamentos do plano B: volei, acho que valeria a pena se eu fosse mais alto; médico? Não, não tinha mais tanto tempo...
   Mas chegou a hora do almoço e salvou sua vida. No balcão da padaria de sempre, um psicólogo que servia café, depois de escutar suas lamúrias incansavelmente, falou:
       "Seu problema, moço, é com as tentativas e não com o tempo!"

sábado, 8 de junho de 2013

"Que o pra sempre, sempre acaba..."

     Quando eu era pequena, ouvi uma história de um homem desmemoriado. Sabia seu nome e de seu corpo, os outros eram só outros que passavam por ele com cara de “coitado, pobre homem” e não importava, ele esquecia. Ouvi, certa vez, que a memória ia diminuindo e por fim, só se lembrava de coisas momentâneas, vivia-se de um momento, no máximo dois.
     E o homem chorava por não se lembrar de nada, e sorria por ter esquecido tudo. Lembrou-se de uma voz quando ouviu uma música e gaguejou a letra. 
       Chorou! Que música linda escutou pela primeira vez, ou pela milésima, e o fez dançar com seu corpo desajeitado. Seus pensamentos navegaram por caminhos nunca vistos; sentiu as cores, ouviu o vento, amou a paisagem. Mas passou.
      Quando alguém entrou em seu quarto e contou, de novo, a notícia triste, ele chorou. Chorou como se fosse a primeira vez, sentiu como se nunca tivesse vivido aquela dor antes. Seu coração ficou pequeno e, de repente, esqueceu.

      E assim, entre dores primeiras e sorrisos únicos, o homem desmemoriado envelhecia na pele e rejuvenescia na cabeça; em seu próprio mundo, ele se apegava a coisas que ninguém mais esperava dele. 
       Lá ele jogava futebol e era culto, respeitado. Lá ninguém pegava em seus braços, ele andava sozinho. Passeava por onde queria, assistindo desfiles de belas moças e rapazes fortes. Dentre as belas moças, reconhecia um rosto, e chorava. A dor voltava e diminuía seu coração. Onde está a bela moça? Pode vê-la, mas como tocá-la novamente? E assim, do mesmo jeito rápido e inesperado que a pergunta vinha, sumia.   Ele esquecia.
      Assistia com interesse o transitar de pessoas sem rosto em sua casa. Andavam como se a casa fosse deles, oras, que absurdo! Desciam e subiam escadas, abriam gavetas. Quem eram todas aquelas pessoas? Mas quando olhava de perto algum rosto para pedir socorro, sorria. Seus olhos marchados pelo tempo brilhavam e ele sorria. Netas, filhas, noras. Não pode ser, ele não se sentia com tanta idade para ter tantas gerações a sua frente. Mas não tinha medo, sentia-se seguro quando reconhecia aquelas vozes, aqueles rostos e passos. 
       Mas, de repente, sumia todo mundo. E lá, sozinho novamente com sua cabeça jovem, ele ia fazer outros caminhos, únicos, novos. E os caminhos iam e vinham, sumia a grama e surgia o asfalto, crescia uma cidade. Ele comandava e sorria ao ver tanta gente feliz gritando seu nome. Agradecia com um aceno emocionado. E esquecia. Tudo escurecia e vinha a bela moça fazê-lo chorar.
     Chorava porque a moça não vinha sozinha, dava a mão para o menino pequeno e cabeludo. Pelo menos ela não estava sozinha. De novo, eles acenavam, e o homem pedia para que não fossem. E eles iam.
      Porque tanta gente passeando pela casa? Porque tanta gente beijando sua testa e dando nomes a ele; avô, pai. Não acreditava ser nada disso. Acreditava que essas pessoas estavam enlouquecendo e só queria colocar um pouco de sanidade na cabeça de todas, como não podia, só sorria. 
      Sorria tanto que, por vezes, chorava. Não sabia de onde vinha a inspiração para tantas histórias, não sabia de onde vinha tanta coisa nova. Onde estaria o velho? Seria ainda um bebê? Que idade teria? A do espelho ou a que sentia no coração?

terça-feira, 7 de maio de 2013



     Se palhaço é aquele que não tem medo de fazer piadas e rir de si mesmo, espero alcançar sua grandeza um dia. Tantas pessoas pintam a cara para esconder defeitos e o palhaço pinta o rosto para sorrir e fazer sorrir.
     E ele alimenta a alma de felicidades alheias, coloca cor em certos rostos miniatura e até nos de modelo adulto; faz graça para desfazer desgraças, e são tantas e ainda sim, acha um motivo para se pintar de azul, amarelo vivo e vermelho; dentro de suas roupas coloridas, respira gargalhadas, inspira vidas, não tem vergonha de se vestir do ridículo e parecer o normal doentio de algumas pessoas.
     Nunca vi nenhum deles pedir atenção sem dar tanto mais em troca. Traz poesia na voz e flores no bolso; botões brilhantes e lenços coloridos. Traz verdades em todas suas fantasias, mesmo que melhorada, reciclada, raramente contou uma mentira ao cair e depois se levantar.
     Porque o palhaço é, mesmo por detrás de todas aquelas cores. Nós apenas fingimos.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Quando vi, vivia!



    Sentia falta de gente que nunca existiu. Eu andava pela rua, reconhecia rostos e desconhecia palavras. A distancia que separava minha mente da mente dos outros não foi suficiente para que eu parasse de fantasiar.
      Talvez nunca pare.
    Mas com ele era diferente. Quando o vi, pensei em desistir da humanidade. Minhas fantasias, a tanto tempo floridas e idealizadas, tornaram-se frias, ruins, quase insuportáveis. Tão ruins a ponto de não poder descrevê-las sem o uso de palavras baixas, das quais eu nunca ousei deixar escapar pela boca.
    "Talvez o santo não bata" - especularam os que falavam por clichês. "Não, quando uma pessoa é muito parecida com a gente, a gente não gosta porque vê nossos defeitos nela! Verdade!" - uns usavam de certa psicologia para tentar explicar. Ninguém estava certo, ou eu não queria acreditar que as pessoas tivessem tanta facilidade para falar o que vai dentro do meu íntimo. "Invasão de privacidade!" - pensei alto. Era ódio, nervosismo daqueles de roer as unhas, vontade de olhar o tempo todo só para achar mais defeitos. Alguma coisa me prendia ao chão e eu olhava todo aquele emaranhado que tentava ser moda; cabelos atrapalhados, pulseira colorida, boné emprestado. Não gostava.
     Quando ele abria a boca tinha vontade de sumir, pegar todos os papéis jogamos na mesa e, gentilmente, enfiá-los em sua goela; quando falava coisas inteligente, era arrogante; quando falava bobagens de me faze rir, era fútil; quando me beijou, era amor.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Carly's Cafe


         O que se passa aqui dentro é como uma ave no céu, pairando no ar com as asas esticadas e imóveis; o que se passa aqui dentro é um animal feroz que defende seus filhotes do predador e a mãe faminta que não deixa os filhos sentirem fome. Aqui dentro tem cores e as vezes é preto e branco. Quase nada aqui é certo, só que tudo é segredo. Só eu sei, só eu vi, só eu sinto. Só eu posso tentar, e fracassar, nas explicações. Você deveria parar de me olhar com olhos de raio x, nunca vai adivinhar se não me ouvir. Simplesmente me ouça.

sábado, 6 de abril de 2013


Querido diário...
    
     Ah, querido porra nenhuma! Enquanto eu fico aqui, gritando ofensas e reclamando de tudo que me atinge e até o que nem passa perto de mim, você fica aí, mudo, sem reação. Será que você nunca vai reagir a tudo que lhe dizem? Você até parece um ser humano do século XXI: acanhado, medroso, quieto demais para ser verdade. E até mesmo eu, que tão sem coragem quanto você, derrubo café quente em suas páginas, começo a me irritar com sua placidez.
      Olha como as coisas são: esqueci-me do toque de uma conversa e corro para o branco de um caderno sem expressão. Será que você me entende? Pois se a ideia era procurar explicações, você nunca me deu nenhuma. Só me enrola com palavras vagas que copia de mim mesma, sem esperança, continua acolhendo meu choro falso, meu coração vazio tentando guiar minha cabeça cheia. E acho que para isso você tem servido bem. Pelo menos tem ficado aí, paradinho enquanto eu rasgo suas folhas com ferocidade e reclamo atrocidades que não tenho fôlego para combater.
     Espero um dia deixar de ser tão pacífico quanto você. Sua falta de tato e consciência ativa me irritam, talvez porque você as tenha roubado de mim. Roubou mesmo, todos os meus defeitos que de tão grandes já não cabem em mim e escorrem por minhas mãos que lhe rabiscam.
     E o que vai roubar agora? Meu tempo você tem para sempre, só não tem mesmo meu respeito. Eu entendo, também ando procurando respeito, e não acho. Procurei debaixo da cama e nos armários, procurei nos livros e nos filmes velhos, até mesmo em minha paz empoeirada guardada em algum canto, eu procurei. Mas quem tem respeito parece não querer mesmo dividir. E o pior é que me parece que nós mesmo que distribuímos respeito por aí. Vi alguém dar respeito para o cara que rouba o povo, vi darem respeito para cantores de má fé e música ruim, vi distribuírem respeito até para o rapaz que nem sabe que existem outras pessoas além dele mesmo no mundo. Vi respeito desperdiçado pelas ruas, e só vi e passei por aqui para lhe contar, de novo. Bom, seja lá como for o fim disso, não vou ficar aqui para saber. Vou buscar respeito com quem tem braços fortes e trabalha por todos os outros, e você deveria seguir meu exemplo e respeitar quem respeita a vida! O mundo seria melhor se os diários certos fossem ouvidos.