O ano era desses que caiam como bombas,
de fazer barulho, bagunçar, destruir. Mas ele não imaginava as consequências de
anos bomba; não havia vivido nenhum, tinha apenas 10 anos e sua maior decepção
era a bola de futebol que caiu na casa do vizinho ranzinza.
E vieram os amigos de rua e contaram o
que se fazia com as pessoas da vizinhança que não seguiam o protocolo, e ele
não acreditou. Veio o melhor amigo, com manchas no corpo contando que apanhara
de um guarda de sobretudo porque não entoou o hino e não conversou usando as
palavras certas.
As pessoas iam desaparecendo na mesma
proporção que as bombas caiam; vizinhanças inteira, sério! E ele cantarolava
nas esquinas sem entender. Até que, marcada de amarelo, encontrou sua casa.
Seus pais, tios, avós, todos em uma gritaria de dia de festa, pediam, mas dessa
vez não em tom cordial: “Fuja, corra, salve-se! Leve sua irmã, deixe o
cachorro! Meu Deus, salve os mais novos...”
Sem entender, pegou as trouxas, as irmãs
e deixou que o cachorrinho os seguisse até uma esquina qualquer. Lá conheceu um
homem de sobretudo e viu que eles não eram ruins, só queriam saber dos segredos
mais profundos, da origem e até o que a gente esperava do futuro e quando
descobriu minha origem, ficou feliz. Sorriu, quase gargalhou, e nos levou, eu,
minhas irmãs e as trouxas, para um lugar cheio de gente trabalhadora que tinha
direito até a banho, mais do que nós tínhamos em casa, em toda nossa miséria.
Deu roupa, trabalho e abrigo. E no dia do banho, ainda encorajou: “Vamos, vocês
vão gostar, porcos!” – e gargalhou pela ultima vez, sorriu até com os olhos.
Era nazista, e as crianças nem sabiam o
que isso significava até descobrirem que do banho, ninguém nunca contou nenhuma
história.