quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Amor em aromas

     A casa era linda. Cheirava a verniz recém passado, e era ali, no cheiro, que Pedro enxergava beleza. Animado, batucava com os dedos sobre os móveis lisos e bem conservados, enquanto a mulher mandada pela imobiliária preparava a papelada. A excitação aumentava a cada papel assinado, até que o último fez seu coração parar.
     Era sua! A casa, o cheiro, a mobília! Tudo!
     A festa de inauguração foi preparada com cuidado e os convidados, escolhidos a dedo. Mas a agitação passou antes que Pedro se desse conta: estava sozinho, perdido em um labirinto de quatro quartos de madeira, vazios. No começo, entre o chá e o café, devorou quase todos os livros da biblioteca, deixando para trás somente os que foram muito indicados, para ele os livros esquecidos eram mais urgentes.
     Entre um sonho e outro, provou realizações fantásticas: o livro pela metade saiu da imaginação e foi mandado para uma editora; os filmes da lista, já amarelada, foram assistidos e criticados. Tinha quase tudo, e foi o quase que tentou conquistar que acabou com sua paz de histórias projetadas.
     Seu quase cheirava a flor, mas não uma só flor. Cheirava a todas as flores do mundo. E o que mais encantava Pedro, se não essa mistura divina de aromas?
     Cortejou feito um cavalheiro inglês: de cartola e cavalo branco. A dama sorria, desacreditada. Beijo suas mãos macias e se perdeu naqueles olhos de mar.
     Mas o amor é um calvário. Levou a paz, destruiu os livros e apagou os filmes. O amor passou-lhe uma rasteira, a última: "Não amo mais! - Pedro dizia de mãos erguidas, e acreditava.
     Exatamente 3 meses depois, enquanto caminhava despreocupado, o cheiro de café o fez congelar. Levantou a cabeça e segurou o coração: "Não, de novo não!"