quinta-feira, 11 de abril de 2013

Quando vi, vivia!



    Sentia falta de gente que nunca existiu. Eu andava pela rua, reconhecia rostos e desconhecia palavras. A distancia que separava minha mente da mente dos outros não foi suficiente para que eu parasse de fantasiar.
      Talvez nunca pare.
    Mas com ele era diferente. Quando o vi, pensei em desistir da humanidade. Minhas fantasias, a tanto tempo floridas e idealizadas, tornaram-se frias, ruins, quase insuportáveis. Tão ruins a ponto de não poder descrevê-las sem o uso de palavras baixas, das quais eu nunca ousei deixar escapar pela boca.
    "Talvez o santo não bata" - especularam os que falavam por clichês. "Não, quando uma pessoa é muito parecida com a gente, a gente não gosta porque vê nossos defeitos nela! Verdade!" - uns usavam de certa psicologia para tentar explicar. Ninguém estava certo, ou eu não queria acreditar que as pessoas tivessem tanta facilidade para falar o que vai dentro do meu íntimo. "Invasão de privacidade!" - pensei alto. Era ódio, nervosismo daqueles de roer as unhas, vontade de olhar o tempo todo só para achar mais defeitos. Alguma coisa me prendia ao chão e eu olhava todo aquele emaranhado que tentava ser moda; cabelos atrapalhados, pulseira colorida, boné emprestado. Não gostava.
     Quando ele abria a boca tinha vontade de sumir, pegar todos os papéis jogamos na mesa e, gentilmente, enfiá-los em sua goela; quando falava coisas inteligente, era arrogante; quando falava bobagens de me faze rir, era fútil; quando me beijou, era amor.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Carly's Cafe


         O que se passa aqui dentro é como uma ave no céu, pairando no ar com as asas esticadas e imóveis; o que se passa aqui dentro é um animal feroz que defende seus filhotes do predador e a mãe faminta que não deixa os filhos sentirem fome. Aqui dentro tem cores e as vezes é preto e branco. Quase nada aqui é certo, só que tudo é segredo. Só eu sei, só eu vi, só eu sinto. Só eu posso tentar, e fracassar, nas explicações. Você deveria parar de me olhar com olhos de raio x, nunca vai adivinhar se não me ouvir. Simplesmente me ouça.

sábado, 6 de abril de 2013


Querido diário...
    
     Ah, querido porra nenhuma! Enquanto eu fico aqui, gritando ofensas e reclamando de tudo que me atinge e até o que nem passa perto de mim, você fica aí, mudo, sem reação. Será que você nunca vai reagir a tudo que lhe dizem? Você até parece um ser humano do século XXI: acanhado, medroso, quieto demais para ser verdade. E até mesmo eu, que tão sem coragem quanto você, derrubo café quente em suas páginas, começo a me irritar com sua placidez.
      Olha como as coisas são: esqueci-me do toque de uma conversa e corro para o branco de um caderno sem expressão. Será que você me entende? Pois se a ideia era procurar explicações, você nunca me deu nenhuma. Só me enrola com palavras vagas que copia de mim mesma, sem esperança, continua acolhendo meu choro falso, meu coração vazio tentando guiar minha cabeça cheia. E acho que para isso você tem servido bem. Pelo menos tem ficado aí, paradinho enquanto eu rasgo suas folhas com ferocidade e reclamo atrocidades que não tenho fôlego para combater.
     Espero um dia deixar de ser tão pacífico quanto você. Sua falta de tato e consciência ativa me irritam, talvez porque você as tenha roubado de mim. Roubou mesmo, todos os meus defeitos que de tão grandes já não cabem em mim e escorrem por minhas mãos que lhe rabiscam.
     E o que vai roubar agora? Meu tempo você tem para sempre, só não tem mesmo meu respeito. Eu entendo, também ando procurando respeito, e não acho. Procurei debaixo da cama e nos armários, procurei nos livros e nos filmes velhos, até mesmo em minha paz empoeirada guardada em algum canto, eu procurei. Mas quem tem respeito parece não querer mesmo dividir. E o pior é que me parece que nós mesmo que distribuímos respeito por aí. Vi alguém dar respeito para o cara que rouba o povo, vi darem respeito para cantores de má fé e música ruim, vi distribuírem respeito até para o rapaz que nem sabe que existem outras pessoas além dele mesmo no mundo. Vi respeito desperdiçado pelas ruas, e só vi e passei por aqui para lhe contar, de novo. Bom, seja lá como for o fim disso, não vou ficar aqui para saber. Vou buscar respeito com quem tem braços fortes e trabalha por todos os outros, e você deveria seguir meu exemplo e respeitar quem respeita a vida! O mundo seria melhor se os diários certos fossem ouvidos.