domingo, 6 de julho de 2014

Do infinito negar ao belo suportar, ela realmente acreditava nas estrelas, mas não nas suas...

     Destemida, ela carregava o mundo nas costas. Achava bonito rir dos sorriso e chorar, mais tarde, longe dos holofotes. Confundia vitória com olhos secos: sentia-se maior quando nenhuma lágrima caía. Não era forte, era covarde, só não havia sido informada, ainda.
    Corria para encrencas e assumia a culpa.
    "Vou mudar o mundo!" - bradava, orgulhosa - mas o único mundo que deveria mudar, o seu, mantinha intocável, impenetrável, sem luz. Do infinito negar ao belo suportar, ela realmente acreditava nas estrelas, mas não nas suas.
     Dia desses até amou. Alto, desengonçado, de aparelho e óculos, era perfeito. Engraçado, culto e quietão, era seu. Mas acabou. Feito tudo em sua vida com a única frase que ela sabia bem:
     "Não é você, sou eu."
      Teve tantos desamores que decidiu que o amor não era para ela. Era bonito nos versos, poesias e músicas, não mais em seu coração. Mesmo assim, ainda tinha seu sorriso, amarelo e meio sem graça, mas sorriso.
     Possuía cinco deles: um para acordar cantando, outro para almoçar agradecendo e os outros três para acontecimentos especiais do entardecer.
     Mas quando as luzes se apagavam, lembrava do fins que já não viam recomeço. Sozinha, chorava e dormia, cantando canções de ninar. De manhã, mais uma vez, escondia o mau humor no espelho, engolia a dor com casca e tudo.
     A menina era forte...ô, se era! De carapaça a postos, sempre, somente o travesseiro a conhecia muito bem. "Bom dia, sol! Boa noite, lua! - dizia sua boca. "Socorro!" - gritava sua alma.
     De tanto se defender, certo dia, acordou e odiou seu cabelo. Quebrou o espelho e reclamou do café. Brigou no trânsito e jogou fora quatro sorrisos, o último não encontrou. Ao meio dia das piores horas de sua vida, ligou a TV. Morte, sangue e fome; destruição, corrupção e uma última notícia sobre uma tecnologia que só atingia parte do mundo. Tantos anos e hoje, na poeira do botão de ligar da TV descobriu sua cegueira. Subestimou o mal e aprisionou sua realidade em seu falso moralismo. Virou as costas para seu mundo, achando que assim, tocaria outros corações. Engano seu, menina!
    Pelas ruas, rastejando suas lamúrias acumuladas viu um bar e pensou em beber. Na porta, tropeçou em um menino de pé no chão que estendia a mão:
    "Moça, tenho fome!" - disse com voz fraca.
     "Todos temos. - respondeu sua amargura - "pude ver pela TV."
     Mas seus pés não obedeceram e as mãos alcançaram as do menino, que sem reação, somente a seguiu para dentro do bar.
     Beberam, comeram e conversaram, em alguns momentos, até se entenderam. Mas era hora de ir. Voltaria para casa, reclamaria em frente a TV, quebraria todos os espelhos; mudaria tudo! Quando viu o menino se afastar, satisfeito e repetindo agradecimentos, quase se esqueceu do último sorriso perdido. No final das contas, ele estava em seu bolso o tempo todo. Tirou-o do bolso e, sem pensar duas vezes, deu a quem realmente merecia. Sorrindo, o menino foi embora.
     O último sorriso era o que ela chama de Verdadeiro.