sábado, 8 de junho de 2013

"Que o pra sempre, sempre acaba..."

     Quando eu era pequena, ouvi uma história de um homem desmemoriado. Sabia seu nome e de seu corpo, os outros eram só outros que passavam por ele com cara de “coitado, pobre homem” e não importava, ele esquecia. Ouvi, certa vez, que a memória ia diminuindo e por fim, só se lembrava de coisas momentâneas, vivia-se de um momento, no máximo dois.
     E o homem chorava por não se lembrar de nada, e sorria por ter esquecido tudo. Lembrou-se de uma voz quando ouviu uma música e gaguejou a letra. 
       Chorou! Que música linda escutou pela primeira vez, ou pela milésima, e o fez dançar com seu corpo desajeitado. Seus pensamentos navegaram por caminhos nunca vistos; sentiu as cores, ouviu o vento, amou a paisagem. Mas passou.
      Quando alguém entrou em seu quarto e contou, de novo, a notícia triste, ele chorou. Chorou como se fosse a primeira vez, sentiu como se nunca tivesse vivido aquela dor antes. Seu coração ficou pequeno e, de repente, esqueceu.

      E assim, entre dores primeiras e sorrisos únicos, o homem desmemoriado envelhecia na pele e rejuvenescia na cabeça; em seu próprio mundo, ele se apegava a coisas que ninguém mais esperava dele. 
       Lá ele jogava futebol e era culto, respeitado. Lá ninguém pegava em seus braços, ele andava sozinho. Passeava por onde queria, assistindo desfiles de belas moças e rapazes fortes. Dentre as belas moças, reconhecia um rosto, e chorava. A dor voltava e diminuía seu coração. Onde está a bela moça? Pode vê-la, mas como tocá-la novamente? E assim, do mesmo jeito rápido e inesperado que a pergunta vinha, sumia.   Ele esquecia.
      Assistia com interesse o transitar de pessoas sem rosto em sua casa. Andavam como se a casa fosse deles, oras, que absurdo! Desciam e subiam escadas, abriam gavetas. Quem eram todas aquelas pessoas? Mas quando olhava de perto algum rosto para pedir socorro, sorria. Seus olhos marchados pelo tempo brilhavam e ele sorria. Netas, filhas, noras. Não pode ser, ele não se sentia com tanta idade para ter tantas gerações a sua frente. Mas não tinha medo, sentia-se seguro quando reconhecia aquelas vozes, aqueles rostos e passos. 
       Mas, de repente, sumia todo mundo. E lá, sozinho novamente com sua cabeça jovem, ele ia fazer outros caminhos, únicos, novos. E os caminhos iam e vinham, sumia a grama e surgia o asfalto, crescia uma cidade. Ele comandava e sorria ao ver tanta gente feliz gritando seu nome. Agradecia com um aceno emocionado. E esquecia. Tudo escurecia e vinha a bela moça fazê-lo chorar.
     Chorava porque a moça não vinha sozinha, dava a mão para o menino pequeno e cabeludo. Pelo menos ela não estava sozinha. De novo, eles acenavam, e o homem pedia para que não fossem. E eles iam.
      Porque tanta gente passeando pela casa? Porque tanta gente beijando sua testa e dando nomes a ele; avô, pai. Não acreditava ser nada disso. Acreditava que essas pessoas estavam enlouquecendo e só queria colocar um pouco de sanidade na cabeça de todas, como não podia, só sorria. 
      Sorria tanto que, por vezes, chorava. Não sabia de onde vinha a inspiração para tantas histórias, não sabia de onde vinha tanta coisa nova. Onde estaria o velho? Seria ainda um bebê? Que idade teria? A do espelho ou a que sentia no coração?